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"Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem."

( Carlos Drummond de Andrade )


quarta-feira, 24 de junho de 2009

LITERATURA

Poesia para todos

Entrevista com o professor Alexandre Huady Torres Guimarães, especialista em literatura


Foto: Maurício Melo
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O professor Alexandre Huady Torres Guimarães, que ajudou o Educar para Crescer a elaborar o teste especial de Dia dos Namorados, acredita que muitos alunos - e mesmo professores - alimentam um preconceito contra o texto poético, por achá-lo difícil e inacessível. E que, para que isso não aconteça, é preciso aproximar o jovem da poesia, trazendo-a para a realidade dele. Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e coordenador do curso de Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Alexandre fala a seguir sobre poesia e ensino de literatura.


Para ler, clique nos itens abaixo:
1. Escolhemos para o teste de Dia dos Namorados os principais movimentos da poesia de língua portuguesa, a partir do século 13, com o Trovadorismo. Qual é a principal ideia de cada um desses movimentos?
Alexandre Huady Torres Guimarães: Poderíamos passar dias conversando sobre isso. Mas vamos lá, de maneira geral. Começamos em geral pelo Trovadorismo e suas cantigas de amor, amigo, escárnio e maldizer. Trata-se da primeira manifestação literária em língua portuguesa. Nas cantigas de amor, tem-se a vassalagem amorosa, em que um eu-lírico declara seu amor impossível por uma mulher inatingível. Depois podemos falar do Barroco, que teve Gregório de Matos como principal representante no Brasil. Ele era bem politizado, e fazia críticas sociais e à Igreja Católica. Acabou conhecido como Boca do Inferno. Uma das características principais dos textos barrocos é a antítese, a noção de oposição em que há o triste/feliz, doce/amargo e assim por diante. O homem, principalmente português, estava num momento fragilizado, pois, durante o Renascimento e as grandes descobertas marítimas, tinha a impressão de que podia tudo. Com as novas configurações na Europa (como a invasão da Espanha em Portugal), porém, descobriu-se limitado, o que gerou muitas dúvidas sobre seu poder. O Barroco expressa esse estado de dúvida. O rebuscamento e o jogo de palavras é característica do conceptismo, uma subdivisão do movimento. Já o jogo de ideias e os textos de convencimento são mais próprios do cultismo, a outra subdivisão.

O Arcadismo brasileiro, embora tenha tido como pano de fundo a Inconfidência Mineira, no século 18, não passava primordialmente, em seus textos, essa ideia revolucionária. Pregava, isso sim, o bucolismo, um retorno às coisas simples da vida e a saída da cidade para o campo. Tomás Antônio Gonzaga, com sua Marília de Dirceu, mostra isso em seus poemas.

O Romantismo, já no século 19, tem algumas características de destaque: entre elas o egocentrismo do eu-lírico e seu sofrimento. O romântico é mais ou menos assim: "existo, logo sofro". Na primeira geração, um destaque é Gonçalves Dias, com seu amor, seu indianismo e ufanismo. A segunda geração, com Álvares de Azevedo, é lacrimejante ao extremo e sente a "dor de ser" característica do byronismo (Lord Byron, poeta inglês da virada do século 18 para o 19). Essa dor subjetiva é característica desta geração também conhecida como "mal do século". A morte é um tema recorrente em Álvares de Azevedo, assim como o erotismo. Já a terceira geração do Romantismo já tem um pé no realismo, ou seja, aparecem críticas sociais e uma veia mais politizada, como no poema "O Navio Negreiro", de Castro Alves. O amor, nessa geração muitas vezes se concretiza, e a mulher amada pelo eu-lírico chega a ser palpável, é acessível.

No Parnasianismo, impera o lema "arte pela arte". O poema, para o parnasiano, tinha de ter a forma perfeita, e esta sempre estava acima do conteúdo. Há aqui um novo retorno à cultura greco-romana.

No Simbolismo, as sensações experimentadas subjetivamente vêm em primeiro lugar. São poemas sinestésicos, que sugerem sem falar objetivamente de seus temas. Nota-se, também, uma musicalidade e um ritmo bem trabalhados.

Com o Modernismo, já no século 20, as regras foram quebradas. Cada poeta, a partir daí, passou a explorar sua temática de preferência, às vezes retornando aos traços clássicos do poema, às vezes inovando no conteúdo e na forma. Todos os temas são possíveis, e o amor, muitas vezes, é tratado como uma coisa que faz parte do cotidiano, um fato mais corriqueiro entre seres humanos. Nota-se em alguns dos principais poetas modernistas, como Carlos Drummond de Andrade, a presença do humor e, às vezes, de erotismo. O Pós-modernismo só acentuou ainda mais essa liberdade conquistada: para compreendê-lo é preciso estudar cada autor individualmente, pois cada um assume uma maneira própria de escrever, mais ou menos subjetiva.
2. Qual movimento é o seu preferido?
Alexandre Huady Torres Guimarães: Não tenho um movimento preferido, minha preferência é pela literatura. Cada movimento expressa uma multiplicidade prazerosa de sentimentos, como o amor, que é o assunto do teste, de uma forma própria. E em todos eu encontro expressões interessantes.
3. Por que parece tão difícil estudar poesia?
Alexandre Huady Torres Guimarães: Poemas podem ser difíceis porque, em geral, significam muitas coisas ao mesmo tempo. Mas acho que, muitas vezes, o que acontece é que não só a poesia, como toda a literatura, é colocada numa espécie de pedestal, como se fosse algo inatingível para a maioria das pessoas. No Brasil, que possui um grande número de analfabetos, a literatura considerada erudita acaba sendo um privilégio de poucos. Defendo a contextualização como uma forma de aproximar os alunos dos textos. Para introduzir a noção de vassalagem amorosa, por exemplo, podemos nos lembrar das letras de músicas populares, sertanejas, que estão muito presentes na realidade brasileira de hoje.
4. É possível estudar literatura de forma mais acessível?
Alexandre Huady Torres Guimarães: Eu acredito que sim. Como a literatura é uma forma de conhecer o ser humano, podemos combinar no estudo outras formas de conhecê-lo. Por exemplo: ao apresentar aos alunos "O Cortiço", de Aluísio Azevedo, trabalhei com eles uma seleção do fotojornalismo contemporâneo, ilustrando a mendicância, as crianças de rua, a violência, as moradias precárias etc. Assim eles percebem que o que aquela obra fez há mais de um século continua sendo representado de outras formas, ou seja, a denúncia das desigualdades sociais e da miséria é um tema atualíssimo. Por isso Azevedo ainda causa repercussão e, provavelmente, ainda causará por muito tempo.
5. As canções contemporâneas podem ser consideradas uma forma de poesia?
Alexandre Huady Torres Guimarães: Há quem seja contra essa ideia, mas eu, particularmente, considero que sim. A parte escrita (a letra) de muitas canções pode ser vista como um texto poético. Arnaldo Antunes, por exemplo, é um poeta, em minha opinião. Acredito também, aliás, que a poesia seja maior do que a literatura. A poesia pode ser não-verbal, pode estar na fotografia, no cinema.
6. Por que relacionamos a poesia com declarações de amor?
Alexandre Huady Torres Guimarães: Às vezes até parece que a poesia só fala de amor, mas o fato é que os textos poéticos servem para falar de tudo. Há textos de crítica à sociedade, à política e à religião, há textos de humor, há textos escatológicos... Enfim, várias temáticas são abordadas por poetas. Talvez uma possível explicação, seja o fato de que, na escola, geralmente começamos a estudar poesia pelo Trovadorismo, com as cantigas de vassalagem amorosa, em que o eu-lírico sempre se coloca como apaixonado e sofrendo de amor. Devemos lembrar também que o amor, em geral, é visto como algo belo e superior, posição complicada que muitas vezes atribui à literatura uma complicada condição de superioridade.
7. Mas o amor é um dos grandes temas da literatura, não é verdade?
Alexandre Huady Torres Guimarães: A literatura como um todo fala do ser humano e de seus desejos, suas características, sua existência. Como o amor é, sem dúvida, um dos grandes temas humanos, ele não poderia ser menos presente na literatura. Ele é, sem dúvida, um dos grandes temas. Além disso, todos nós tentamos entender o amor, um sentimento com o qual muitas vezes é difícil lidar. Isso explica também a existência de muitas antologias de poesia de amor, bem mais frequentes do que coletâneas focadas em outros temas da literatura.
8. Como se deve ler um poema?

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