Olá, é um prazer ter sua companhia !

"Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem."

( Carlos Drummond de Andrade )


quarta-feira, 28 de abril de 2010

Entrevista com Fanny Abramovich


Entrevista com a escritora FANNY ABRAMOVICH. Além de ser um dos nomes mais importantes da literatura para jovens e crianças no Brasil, Fanny também teve e tem uma atuação importantíssima na educação brasileira, escrevendo diversos livros para professores.


1. Qual é o seu "lugar imaginário" favorito dentro da literatura?
R. Nem dá pra balançar, fingir hesitar... Rota direta, o Sítio do Picapau Amarelo ! Neste perfeito território da infância , mil refúgios secretos para quem é criança, para quem quer voltar a ser...Para ouvir , ler ou inventar histórias, não há lugar melhor do que lagartear ao sol, debaixo da jabuticabeira...!!!

2. Se você entrasse no labirinto de Creta e deparasse com o Minotauro, o que você faria ou diria para ele?
R. Gostarias de passear ao entardecer ??Dar uma passadinha comigo, no ateliê do Pablo Picasso? Só pra bater um bom papo bebericando um bom vinho, sentir a alegria, o desejo, a eletricidade no ar. É o clima que cerca e faz isso acontecer, não importa onde don Pablo está... Relaxe, por favor. Respire fundo. Ótimo! Só vou pedir pra ele te desenhar, como registrou outros touros. Despudorando os traços mexentes e moventes , fortes e perturbadores, quero ver e entender melhor sua força erótica esplendorosa !Topas ??

3. Se você pudesse escolher ser um personagem da história da literatura, qual seria?
R. Talvez Pippi Meia Longa, da Astrid Lindgreen- adoro aquela garota imprevísivel, autônoma, forte e boa de brigas, dona de seu nariz e dum seu estilo personalissimo de vestir, andar, viver !!! Filha de pai pirata, mora sozinha, nem pensa em ir na escola. Pippi é divertidíssima, e absolutamente maravilhenta!
Talvez Eva, da Bíblia...parece boa a idéia de estar presente desde o início duma narrativa, podendo puxar cada fio , sem estragar o todo e sem machucar cada personagem entrante ou cada novo cenário habitado...
Não faz parte exatamente da história da literatura, mas a escritora Sylvia Orthof me dedicou um livro "A mesa de botequim e seu amigo Joaquim ". Ela esclarece que ,a mesa de botequim sou eu. Não uma mesa dum botequim qualquer, mas a dum bistrô charmoso. Já sou, um personagem de primeira linha! Não sinto precisão de escolher ou ambicionar ser outro...


4. Qual é a importância da imaginação, da memória e da observação em seu processo criativo? Aliás, quando e como você produz?
R. Os três vértices deste triângulo são essenciais.
Observação: pano de fundo na construção do cenário, figurinos, detalhes de decoração, etc onde a trama acontece. Para mim, não define nem se ocupa do essencial
Memória: adentra com nuances, pormenores, com fragmentos esparsos para a composição dum personagem...mas não deixo que preencha o contorno.inteiro.
A imaginação é o alimento. É o diferencial pessoal, o lance divertido, o desencadeante lúdico. O criativo. Através dela saltitam idéias, possibilidades, relações, brecadas,etc. Por ela e dela, acontece o crescimento dos personagens e surgem os conflitos , pipocam os caminhos e bifurcações da trama, o surgimento dos temas e sub -temas .
Escrevo de noite, pela madrugada inteira. Trabalho, geralmente, das 22 hs até umas 5-6 h s da manhã. Mas este horário matutino, pode ser esticado... Vou dormir por ai e levanto lá pelas 14 -15 hs... De tarde , me ocupo da academia, aulas, telefonemas de trabalho , etc... Quando chego da rua, lá pelas 21 hs até 'a meia-noite( quando vou jantar ) normalmente estou lidando com alguma escrevinhação: prefácio, parecer , artigo, etc....Adoro escrever !!!!!!

5. Qual foi o autor ou livro que, na sua infância ou adolescência, te fez gostar de ler, ter o prazer da leitura?
R. Fissurante na infância, marcante até hoje, relido até agora com inegável gostosura, toujours Monteiro Lobato. O único autor de quem guardei os mesmíssimos livros, por toda vida. Abrir é sentir o cheiro do Jardim da Luz, do fogão da minha avó..misturado com o dos bolinhos da Tia Nastácia, com alguma galanteza do anjinho da asa quebrada e as asneirices desaforentas e independentes da Emília...fonte primeira de prazer , de sacudidas,de brasilidade !!!!
Depois, aconteceu o humor do Mark Twain subindo o rio Mississipi em jangadas, escondendo o Tom e o Huck dos adultos ..Vivi com ele, aventuras e surpresas deliciantes !! E Lewis Carroll com os vertiginosos delírios da Alice , pelos estranhos países por onde se maravilha e se espelha, os encontros estapafúrdios, o terror de ordens como "Cortem-lhes as cabeças !" ... Envolvência irresístivel, para a Alice (personagem) e para mim ( leitora.)
Nos começos da adolescência, muito prazer nas leituras acompanhantes dos destinos dos primos Clarissa e Vasco no Érico Veríssimo ; saber dos pivetes do Jorge Amado, ler os 5 volumes com os meninos ligados a cana-de-açúcar do José Lins do Rego...mais os médicos do Cronin, a irreverência e as sacudidelas teatrais do Bernard Shaw, a pré-politização- americana- em -suaves- prestações vindas através do Steinbeck, Arthur Miller, Cliford Odets, e outras timidezes infindas, mas galvanizantes...Tudo isso, longe, longíssimo da escola.
Eu lia tudo, de todos, retirando da biblioteca do Colégio, da Municipal -Circulante, pegando emprestado da tia, amigas, etc...
Me alimento de livros desde pequenina..como, devoro. Exigência básica: ter humor, ter pique! Sempre fui meio impaciente com os tijolões inacabáveis e arrastados.
Daí, a linha mestra das leituras prazerosas por all my life: tem sido sempre ocupadas pelos mesmos escritores :Monteiro Lobato e Millôr Fernandes.
Quase todos os outros escritores, com quem fui trombando nos Festivais e Feiras, que atravessaram meu caminho, foram coadjuvantes de luxo...sem terem sido essenciais, precisantes, injetados na veia, salvo no período (às vezes, até brevíssimo) de meu total deslumbramento com algum (em geral,o primeiro...) livro deles, recém publicado na ocasião.
6. Se você tivesse uma máquina do tempo, que escritor(a) ou poeta do passado você desejaria encontrar?
R.
Listei, cortei, refiz, decepei ...e fiquei com três. Os três, de excelente prosa.
Henry James ,ficaria do lado,quieta, só olhando e invejando a perfeição narrativa.
F. Scott Fitzgerald,- marcaria um encontro num café -bistrô chique,de muito bom gosto, provavelmente em Paris.: jazz ao vivo , ele bon vivant, bebericando um bom vinho ou excelente whisky. Encontro como nos seus contos.: charmoso, frases e citações com estilo e mostrando ser cidadão do mundo, humor rápido...Tudo em clima e compasso de jazz. Improvisações mudando o ritmo esperado... Repetições cansativas, gastas, me irritando como leitora e fragmentando a leitura , sempre em torno de Zelda, a esposa amada esquizofrênica...
Dorothy Parker - almoço marcado no Algonquin, na távola redonda, para rir, sorrir, aplaudir, concordar deliciada, observar detalhes do que fala, comenta, lê em voz alta o que escreveu, come, flerta, seduz...Me assegurar, se ainda quero escrever como ela, com o tipo de humor dela, com a essencialidade, e o ritmo dela,...Se ainda pretendo ,como ela, viver em New York nos anos 20-30(!!!!), fazer roteiros em Hollywood (ai,ai...),publicar no New Yorker... e outros requintes imprescindíveis na vida...

7. Qual foi o último livro que você leu e recomenda?
R.
O último livro lido, lindo, foi AS BRASAS, do húngaro Sándor Márai (Companhia das Letras- SP- 2008). Uma leitura exigente, mergulhante, que há muito , nenhuma página me provocava..Vital !.Uma leitura sôfrega , intensa, devastadora, seguindo sentimentos movediços e determinantes. Vertiginosa. Amizades e amores mui complexos conduzindo esse ler, envolto em enigmas descobertantes, em nebulosas e confianças fincadas por 40 anos... Essencial!
Compre, peça emprestado, entre em fila de biblioteca, chantageie para receber como presente, assalte.Faça o que quiser. Mas, leia!


8. Você está escrevendo algum livro no momento? Fale um pouco sobre ele?
R.
Não... reescrevi vários em 2008 e começo 2009, reescrevendo outro :destratei e aproveito para mudanças de linguagem , de ótica, de pique, de ritmo. Mais cortes nas desnecessidades arrastantes, nos ecos e ocos... e acréscimos de poeturas, neologismos, inteireza dos personagens,etc... Umas 15-18 , às vezes 20, leituras reescreventes. Uma trabalheira insana... exigente, meticulosa...mas que dá uma enorme duma contenteza ao entregar o novo texto pra nova editora.Um novo livro, em cima duma velha idéia !!!! Vale, válido ! Mostro e me mostro que mudei o meu jeito de escrever...Atestado de crescimento !!!
Raras vezes mexi na estrutura narrativa. Quase sempre, ela continua valendo...mesmo depois de muitos anos passados. O que desafina, provoca desconforto ouvidal, é a linguagem. Ela grita , esperneia, pedindo para ser modificada.Urgentemente !!!...! E fico na procura, até que encontre o novo tom !Fôlego, disposição, atenta atenção, e canetas coloridas apontando, anotando, reescrevendo, rabiscando, anulando, refazendo... cada parágrafo , fechando cada capítulo...até mexer com o texto inteirinho, por umas 15- 18 vezes e poder declarar: OK !!! Está OK,!!

9.Cite três livros escritos para crianças e jovens que você acha imperdíveis?
R.
Fico com três autores essenciais e, recém descobertos por aqui.,.o que significa que ainda são pouco lidos.
Gianni Rodari- maior deleite os jogos de palavras , as fábulas as contações encantadas do Rodari... Só atentar para uns ataques moralistas bem bocós...(que surgem pouco, mas surgem...)
Roald Dahl - gostosura pura, parceria perfeita com o ilustrador Quentin Blake (melhor ficar de pé atrás com os muitos outros desenhistas surgidos) , crueldade infantil solta ,(existente, ) respostas truculentas à rejeição/ marginalização sofrida (!!!!!) pela criança (por outras, por adultos- parentes, adultos - professores, bruxas, etc) , maravilhança na expressão da afetividade infantil sem disfarces e sem soterramentos,... E Dahl escreve muito bem. Debochando e deliciando !!!
J.D.Salinger- o inventor da adolescência via literatura... o mestre da palavra juvenil jorrada, sofrida, atormentada, espinhuda...
Arrebatador !!!

10. O que você diria para um escritor em início de carreira que está se dedicando a literatura infantil e juvenil?
R.
Ouse, se atreva, se arrisque. Decepe, sem piedade, os clichês, os estereótiposo, do embrião do seu texto ou até dele bem esboçado. Ou encare, aquele que você pensava estar pronto e acabado e que acaba de ser devolvido pela sétima editora consecutiva....
Releia. Tudo, inteirinho. Desde o título, os subtítulos.. Dê uma conferida e cheque se derrapa alguma (s) melosidade , umas chantagenzinhas , uma moral bem explicitada, uma ameaça adulta de castigo , uma escapadela racista ,um comentário falsa e forçadamente politicamente correto ... algumas chatices em nome da didática e outras cositas mas pelo estilo e perceba que....sua história foi pro beleleu...
É com você, ser cúmplice disso, ou não. É contigo, ser mais um autor repetindo a mesma historinha de sempre, com as mesmas bobices de sempre, com a mesma pressa de sempre, sem deixar nenhum conflito surgir , abafando as emoções fundamentais...Sem procurar escrever um texto bem escrito, pelo menos. E sem nenhuma poetura ou encanto nas frases ou esquemático na bolação da narrativa, sem humor saindo da boca de um personagem ...Um todo previsível.
se resolver que não quer nada por ai, reescreva. Recomece. Se atreva. Mais e mais. Ouse. Invente personagens, cenas, um final inesperado...Quebre rotinas, surpreenda o leitor, se surpreeenda. Escrevendo um conto, um poema, o que quiser, sem a velha pausterização, sem estar nos conformes indistintos e impessoais, tente encontrar sua marca, e deixar sua assinatura: o seu modo de ver o livro para criança e o jovem.



Fanny por Fanny:
Nasci, cresci, teimei, impliquei, brinquei adoidado em São Paulo. Estudei do prezinho até a faculdade, dei aulas (também do prezinho até a pós-graduação), jornalistei, teatrei, protestei em passeatas, em São Paulo também. Mas mudei de casas, de ruas, de bairros.
Morei em Paris, viajei por muitos dos cantos que quis conhecer. Palmilhei, assustei, fucei, teimei, embirrei, descobri, espantei. Adoro sair e adoro voltar!
De uns anos pra cá, só escrevo livros. Primeiro, para professores. Depois encarei os adolescentes. Mais tarde, os pré-adolescentes e, um dia, ainda consigo escrever pra crianças...Superdifícil.
Fanny Abramovich
é escritora de literatura infantil e juvenil, pedagoga, jornalista e atriz. Filha de mãe brasileira e pai argentino, descendente de família judaica que imigra para o Brasil. Aos 14 anos de idade, Fanny começa a trabalhar dando aulas particulares. Com 16, matricula-se no curso normal do Instituto de Educação Padre Anchieta, concluindo-o em 1958, no Colégio Batista Brasileiro. No mesmo ano em que inicia o curso normal, passa a lecionar no Ginásio Israelita Brasileiro Scholem Aleichem, onde atua por 11 anos. Em 1957, ingressa no Teatro Escola de São Paulo - Tesp, no qual trabalha até 1962. Ao concluir a formação de normalista, começa o curso de pedagogia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo - FFCL/USP, que conclui em 1963. Nesse ano, trabalha como consultora pedagógica da Editora Giroflé e tem seus primeiros contatos com a literatura infantil e juvenil. Ganha bolsa de estudo do governo francês, em 1965, e se especializa em arte e educação em Paris. Permanece na capital francesa até o ano seguinte, quando vai para Roma estudar tele-educação na rede de comunicação RAI. Ao retornar ao Brasil, abre o Centro de Educação e Arte - CEA, que mantém suas atividades por oito anos. A partir de 1968, ministra cursos e presta assessoria sobre arte e educação em diversos lugares do país. Em 1977, começa a escrever sobre educação infantil para o Jornal da Tarde e outros periódicos. Apresenta também quadros sobre o assunto na televisão, como no programa TV Mulher, da TV Globo, em 1980. Participa, em 1979, como co-autora, da publicação de Teatricina. Seu primeiro livro na área de pedagogia, O Estranho Mundo que Se Mostra às Crianças, é publicado em 1983. Estréia na literatura infantil e juvenil em 1986, com Deixa Isso pra Lá e Vamos Brincar, que é reformulado dez anos depois, ganhando novo título: Brincando de Antigamente. Entre outros títulos estão: Bateu Bobeira e Outros Babados - 2000. Detonando o Som - 2000. Pacto de Sangue - 2000. Quatro Histórias Coloridas - 2000. Álbum de Figurinhas - 2001. O Boto - 2002. Três Desejos tão Desejados - 2002. Falta Pouco - 2003. Pisando no Mundo - 2003. Por Trás das Portas - 2004. Teimas e Birras - 2004. Espantoso! - 2005. Sylvia sempre Surpreendente - 2007, entre muitos outros. Ainda em 1996, tem editado seu livro de memórias Ziguezagues: Andanças de uma Educadora e Escritora.

FONTE: LABIRINTOS NO SÓTÃO*