Olá, é um prazer ter sua companhia !

"Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem."

( Carlos Drummond de Andrade )


sábado, 19 de setembro de 2009

Palestra - A “assumissão” de Madalena Freire


Leonor Macedo

- É aqui a palestra do Arnaldo Jabor?
A enorme fila na porta do auditório seis confundiu alguns participantes do Congresso Educador que estavam ali para ouvir o cronista e cineasta debater a educação no contexto político e histórico brasileiro. O fato é que a fila era realmente digna do global, autor de um dos livros mais vendidos na atualidade (Amor é prosa, sexo é poesia) e polêmico por abordar, de forma contundente, assuntos delicados da realidade de nosso País e do mundo. Mas não era para o Jabor. A fila também era digna de um sobrenome de peso quando o tema é educação: Freire. Madalena Freire.
No auditório lotado, o público, formado em sua maioria por professoras, viu entrar a pedagoga pernambucana que, à primeira vista, parece uma mãe nervosa com seu filho. "Já chegou todo mundo na sala? Feche a porta, então! Feche a porta! Quem entrou, entrou e quem não entrou, não entra mais". Depois, os que estavam ali puderam entender que a Madalena Freire chama a atenção para a missão de cada um com a educação. Foto: Leonor Macedorelação de Madalena com a educação é mesmo semelhante à de mãe e filho: feita de amor e rigor. "Não se constrói sem disciplina, sem rigor e sem comprometimento. E é um erro tremendo confundir autoridade e autoritarismo", explicou.
Foi assim que Madalena começou sua palestra, com o tema "Aprender é aqui, aprender é agora". Palestra que ela batizou de "aula" e assim a chamou o tempo todo. "Nós costumamos dizer que 'damos aula' e as palavras não são à toa. O professor não dá aula. Ele reproduz conhecimento". Conhecimento que, segundo Madalena, não se aprende só no conteúdo das matérias: "A matéria-prima do educador não é o conhecimento, mas a pessoa humana que conhece."
Não deve ser muito fácil ser filha de Paulo Freire e continuar na profissão de quem foi um dos educadores mais importantes do Brasil. Mas ela mostrou que, além de pai, o pedagogo foi um grande mestre: "só se aprende em comunhão com o outro. O educador é aquele que sabe mais porque é o que tem mais experiência. Mas saber mais não é saber tudo", explica.
Difícil é não se emocionar com as palavras de Madalena. Mais ainda, com seu jeito de falar: gritado, grosso, forte. Em seguida, calmo, baixinho, como se desse um tempo para digerirmos o que era dito. E algumas coisas não são tão simples de digerir: "às vezes, o professor não concorda com medidas adotadas pela escola, mas fica quieto. Escuta tudo o que é dito na reunião e quando sai de lá futrica, fofoca, xinga, fala mal, mas não se assume. É preciso assumir-se. Só ele pode fazer a sua diferença."
Para ela, no sistema educacional brasileiro não existe nenhuma vítima. Nem professor, nem coordenador, nem diretor de ensino. "Tudo é escolha, opção", explica. "Cada um deve perguntar o que quer da vida profissional e no que realmente acredita". E, a partir da resposta, trabalhar por isso.
"Assumir-se, então, significa estar comprometido com sua causa, com o que acredita", conta Madalena. Ao levantar seu dedo indicador, ela começou um jogo de palavras: "nossa impressão digital mostra que somos pessoa única, portanto, fadados à inclusão dos diferentes. Só somos nós mesmos porque nos diferenciamos dos outros. Cada um tem que assumir a sua marca e acredito que as impressões digitais significam que cada um de nós também temos nossas missões, não no sentido religioso da palavra. Missão. A sua missão. Assumissão. Assuma-se". Isso, dito aos berros, pareceu ecoar na razão e na alma dos que estavam presentes.
Duas ou três vezes, Madalena perguntou para a platéia se podia continuar com o tema da aula. Ninguém ousou discordar, mas ela se explicou: "Para cada momento, é preciso fazer mais de um planejamento. Um é pouco, dois é bom, mas três é melhor ainda. É quem escuta que deve dar a direção de cada aula, porque é para ele que a aula deve fazer sentido". E, como fazia muito sentido tudo o que dizia, o público pediu para ela seguir pelo caminho que tinha tomado e ela continuou.
"Nascemos de duas pessoas e por isso já somos geneticamente sociáveis. Dois já é grupo e nunca vamos existir fora de um. E nascemos de dois que se amaram". Mas a criança não pode ter nascido em um descuido? "Ama-se como pode e como se sabe", responde Madalena. O exemplo que a pedagoga dá tem a ver com o processo de aprendizagem. "A mola desse processo é a afetividade. Só se ensina pelo amor ou pelo ódio, nunca pela indiferença."
Para ela, portanto, um professor nunca pode ser indiferente a seu aluno. É preciso, no mínimo, chamá-lo pelo nome e mostrar que ele existe. Olhar para ele. Prestar atenção nele. "O professor deve reparar no seu aluno. Em seu corpo. Se não tivéssemos um corpo, não haveria a visibilidade da existência. O corpo mostra, retrata a aprendizagem. O corpo é a geografia de nossa história. Olhe o corpo de nossos alunos. Muitos deles corcundas, mal tratados, mal educados. O corpo não mente, minha gente. Temos de observar nossos alunos interpretando, lendo, dando sentido a seus corpos que mostram os conflitos da aprendizagem."
A pedagoga defendeu duas questões no ensinar em sala de aula: a rotina e a tarefa. Segundo Madalena, a rotina é a construção do tempo da aula e "o tempo não caiu do céu. Não é uma dádiva. Ele é construído. É assumido". E a tarefa é fundamental porque "o professor só pode ensinar mediado pela tarefa".
Mas, além do espaço físico da sala, é necessário ter mais duas vontades dentro de si: a resistência e a agressividade. "Quando não aceitamos algo, devemos resistir e não falo de uma resistência omissa. Não se decreta o novo. Se opta pelo novo, quando o velho já não serve mais. Aprender é mudar. Se os alunos estão mudando é porque estão aprendendo", comenta Madalena.
Nesse sentido, a agressividade é importante porque, segundo a pedagoga, "é preciso ter raiva para mudar. É essa raiva saudável que nos empurra para frente. Raiva de mim. Raiva da mesmice que estou. Preciso de agressividade para construir uma rebeldia que calça a autonomia. Ninguém opta de graça. Tem preço. Agressividade não assumida transforma-se em ódio ou em revolta, que não é igual à rebeldia."
Denunciar o indigno. Comprometer-se. Assumir-se. Rebelar-se. Mudar. Aprender com o outro. Palavras e lições de uma aula de Madalena Freire.

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