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AUTOPSICOGRAFIA
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O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
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E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
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E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
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POEMA PIAL
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Toda gente que tem as mãos frias
Deve metê-las dentro das pias.
Pia número UM,
Para quem mexe as orelhas em jejum.
Pia número DOIS,
Para quem bebe bifes de bois.
Pia número TRÊS,
Para quem espirra só meia vez.
Pia número QUATRO,
Para quem manda as ventas ao teatro.
Pia número CINCO,
Para quem come a chave do trinco.
Pia número SEIS,
Para quem se penteia com bolos-reis.
Pia número SETE,
Para quem canta até que o telhado se derrete.
Pia número OITO,
Para quem parte nozes quanto é afoito.
Pia número NOVE,
Para quem se parece com uma couve.
Pia número DEZ,
Para quem cola selos nas unhas dos pés.
E, como as mãos já estão frias,
Tampa as pias!
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Fonte: Pessoa, Fernando. Poesias. Org. de Sueli T. Cassal. Porto Alegre: L&P, 1996.
O MUNDO É GRANDE
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O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.
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A PALAVRA MÁGICA
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Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.
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Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.
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Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.
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Fonte: Andrade, Carlos Drummond de. A palavra mágica. Org. Luzia de Maria. Rio de Janeiro: Record, 2002.
O RELÓGIO
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Passa tempo, tic-tac
Tica-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Tic-tac
Tic-tac
Tic-tac...
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A FORMIGA
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As coisas devem ser bem grandes
Pra formiga pequenina
A rosa, um lindo palácio
E o espinho, uma espada fina.
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A gota d'água, um manso lago
O pingo de chuva, um mar
Onde um pauzinho boiando
É navio a navegar.
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O bico de pão, o Corcovado
O grilo, um rinoceronte
Uns grãos de sal derramados,
Ovelhinhas pelo monte.
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Fonte: Moraes, Vinicius. A arca de Noé. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
CONVITE
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Poesia
é brincar com as palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.
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Poesia
é brincar com as palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.
♥
Só que
bola, papagaio, pião
de tanto brincar
se gastam.
♥
As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.
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Como a água do rio
que é água sempre nova.
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Como cada dia
que é sempre um novo dia.
♥
Vamos brincar de poesia?
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PARAÍSO
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Se esta rua fosse minha,
eu mandava ladrilhar,
não para automóvel matar gente,
mas para criança brincar.
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Se esta mata fosse minha,
eu não deixava derrubar.
Se cortarem todas as árvores,
onde é que os pássaros vão morar?
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Se este rio fosse meu,
eu não deixava poluir.
Joguem esgotos noutra parte,
que os peixes moram aqui.
♥
Se este mundo fosse meu,
eu fazia tantas mudanças
que ele seria um paraíso
de bichos, plantas e crianças.
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Fonte: Paes, José Paulo. Poemas para brincar. São Paulo: Ática, 2007.
CORAÇÃOZINHO
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Coraçãozinho que bate
tic-tic
Reloginho de Papai
tic-tac
Vamos fazer uma troca?
tic-tic-tic-tac
Relógio fica comigo
tic-tic
dou coração a Papai
tic-tic-tac
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Coraçãozinho que bate
tic-tic
Reloginho de Papai
tic-tac
Vamos fazer uma troca?
tic-tic-tic-tac
Relógio fica comigo
tic-tic
dou coração a Papai
tic-tic-tac
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SEGREDO
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Andorinha no fio
escutou um segredo.
Foi à torre da igreja,
cochichou com o sino.
♥
E o sino bem alto:
delém-dem
delém-dem
delém-dem
dem-dem!
♥
Toda a cidade
ficou sabendo.
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Fonte: Lisboa, Henriqueta. O menino poeta. São Paulo: Peirópolis, 2008.
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