Esperar é saudável
Ao investigar como o conceito de juros aparece na natureza, o economista mineiro concluiu que ensinar a criançada a ter paciência pode ser investir em um adulto com mais saúde
Talvez soe estranho encontrar um economista nas páginas de SAÚDE!, mesmo sendo ele conhecido por traduzir as idéias mais complexas do mundo das finanças e até mesmo da filosofia para o público leigo o que fez com maestria em seus cinco livros editados pela Cia. das Letras. Afinal, qual seria o elo entre economia e vida saudável, ainda mais pensando em crianças? Ocorre que, em uma de suas obras, O Valor do Amanhã, Giannetti mostra que os juros fazem parte dos mais variados aspectos do dia-a-dia, e muitos deles nem têm a ver com o nosso bolso. E há ali o relato de uma experiência, no mínimo, inspiradora para quem pretende criar filhos que, mais tarde, serão capazes de fazer escolhas mais equilibradas, inclusive em relação aos cuidados com o corpo.
Em seu escritório, o economista, que é também professor das Faculdades Ibmec, em São Paulo, conversou com SAÚDE! sobre a importância de ensinar a criança a esperar ou, ao menos, tentar.
SAÚDE! Qual foi a experiência que o senhor relatou em seu livro e que trata da questão da espera na infância?
Giannetti Na verdade foi uma série de experimentos, realizados sempre nos mesmos moldes pelo psicólogo Walter Mischel, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Ele aplicou testes que nós chamamos de gratificação postergada em crianças de 4 a 12 anos. Imagine o seguinte: um menino de 4 anos é levado a uma sala na companhia de um adulto. Lá, eles fazem um acordo. O adulto deixará o cômodo, mas diz que voltará se a criança tocar um sino e lhe trará, então, o seu chocolate preferido. No entanto, se o garoto suportar a espera e não tocar o sino, o adulto voltará depois de um tempo com duas unidades do doce. Quais as chances de a criança levar o prêmio em dobro? Aos 4 anos de idade, praticamente nenhuma.
Giannetti Bem, à medida que a criança cresce, a paciência aumenta. É entre os 4 e os 12 anos que se constitui o equipamento cerebral e mental da espera. Por isso, aos 12, 60% dos participantes da experiência resistiram e ganharam os dois chocolates. A propósito, o tempo de espera era de 20 minutos. O curioso, porém, é que, mesmo sem terem agüentado tudo isso, o período que as crianças de 4 anos suportaram antes de tocar o sino variou significativamente entre elas.
SAÚDE! Mas nem sempre quem se preocupa muito com o futuro é mais saudável...
Giannetti Verdade. É possível notar que muitas vezes um mesmo indivíduo pode ter enorme cuidado com o futuro de suas finanças pessoais planejando desde cedo uma aposentadoria, por exemplo , mas tratar com desleixo a sua alimentação. Ora, pode-se dizer que a obesidade é o preço que pagamos por comer demais sem pensar no amanhã. Os altos índices de obesidade na infância revelam, entre inúmeros aspectos, que as crianças não compreendem que evitar o imediatismo da gulodice é fundamental para que alcancem um corpo mais magro e saúde daqui a algum tempo.
SAÚDE! E como ensinar uma criança a pensar no futuro?
Giannetti Eu acho que é possível, mas isso tem de ser feito no dia-a-dia. Não tem receita: é no varejo, aproveitando cada pequena oportunidade do cotidiano para conversar. E sempre mostrando que às vezes é fundamental fazer pequenos sacrifícios hoje para alcançar benefícios amanhã. Tenho, porém, absoluta convicção de que dar o próprio exemplo é mais importante do que dar o sermão.
SAÚDE! E a gente sempre deve dar o exemplo de esperar para desfrutar de um benefício no futuro?
Giannetti Ah, nem sempre precisamos levar o amanhã tão a sério. Às vezes, antecipar um prêmio e ser devedor no tal conceito dos juros é bom. Na vida, especialmente na juventude, é preciso ter um pouco mais de leveza e inconseqüência, desde que não se cometa nada de irremediável. O fato é que nós vamos viver muito mais do que os nossos avós e os nossos filhos irão viver mais ainda. Por isso é preciso incentivá-los a aprender a esperar. A esperar a hora do bolo, a hora de brincar, a hora de sair... Tão simples assim. Pacientes, se eles seguirem os tais padrões estatísticos, se tornarão pessoas que saberão que é preciso investir, na juventude, no corpo que terão aos 80, aos 90, quem sabe aos 100 anos.
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