O filme Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, só estreia no dia 21 mas, desde o ano passado, a tresloucada viagem da menina loira que cai em um buraco sem fim, quando corre numa campina inglesa atrás de um coelho branco de casaca e relógio de bolso, vem inspirando lançamento de livros, além de montagem de peças e exposições. Todos aproveitando o foco na fábula cinematográfica. É a "alicemania". Veja também: Galeria de imagens da 'Alicemania'
O detalhe é que não se trata de oportunismo - as obras que chegam às prateleiras trazem um apuro editorial, especialmente no tratamento das ilustrações, algumas pequenas obras de arte. É o caso da edição relançada agora pela Cosac Naify. A tradução ficou a cargo do professor da Universidade Harvard Nicolau Sevcenko, que consumiu um ano no trabalho. Nada surpreendente: com uma narrativa temperada de nonsense e neologismos, o texto de Alice impõe o desafio de se dominar os jogos gramaticais, semânticos, contextuais, poéticos, filosóficos, estéticos e éticos das poesias e canções do livro.
Poesia. "É uma espécie de toque-emboque de palavras e imagens que temos de encarar com coragem porque, se a gente vacila, por trás ecoa a voz ameaçadora da Rainha gritando: "Cortem a cabeça dele!"", comenta Sevcenko, no material de divulgação. E, para fazer jus à tradução, a edição conta com ilustrações do artista plástico Luiz Zerbini. Ele criou uma poesia virtual ao construir as imagens com cartas de baralho que, iluminadas por uma luz teatral, conferem beleza e perspectiva à ilustração.
Alice no País das Maravilhas foi escrita em 1862 por Lewis Carroll (pseudônimo do diácono Charles Lutwidge Dodgson), um homem cujo temperamento introspectivo, a timidez excessiva e a gagueira o afastavam dos adultos e das mulheres. Ele nunca se casou e, claramente, preferia a companhia das crianças, especialmente a das meninas. Uma delas, Alice, inspirou sua obra-prima - transportada para um mundo imaginário, ela encontra o Chapeleiro Maluco, a Rainha, o Gato Que Ri, a Lagarta Que Fuma Narguilé. Mais que o contato com esses personagens, a história conta um rito de passagem, de uma menina se transformando em mulher. E, por trás do habilidoso jogo de palavras, Carroll contextualiza o período vitoriano da época, marcado por um conturbado sistema de poder.
Acessível. A crítica se observa também nas ilustrações. No duplo lançamento (Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho), da editora Salamandra, a Rainha de Copas tem sua maldade ressaltada pelo traço da ilustradora inglesa Helen Oxenbury (ao lado). Segundo ela, sua intenção era tornar o mais acessível possível às crianças os meandros da linguagem de Carroll.
A mesma inspiração guiou Tim Burton em sua versão cinematográfica, cujo Guia Visual foi lançado pela editora Saraiva por meio do selo Caramelo. A edição nacional traz menos exemplos que o original inglês, repleto de detalhes sobre a produção. Mas é possível perceber como a visão sombria do cineasta transformou os personagens em seres repletos de distorções bizarras. Segundo Burton, o que o fascinou na obra é justamente a falta de lógica, o que permite um diálogo constante com o subconsciente.
Tal abertura também inspira a montagem Alice Através do Espelho, que estreia dia 22 no Sesi da Avenida Paulista. Por intermédio de diferentes linguagens (vídeo, texto e câmeras ao vivo), o Núcleo Experimental do Sesi, sob a direção de Rubens Velloso, convida o público a atravessar o espelho, em busca da atual identidade de Alice.
E essa pluralidade de ideias é o ponto de partida do evento Um Dia Alice 2010, promovido pela Sociedade Lewis Carroll do Brasil e que ocorre hoje, às 16 horas, no Centro Britânico Brasileiro. Em meio a uma intensa programação, o escritor Wilson Bueno vai apresentar conexões entre o nonsense de Carroll e as adivinhas do sertão nordestino.
Fonte: O Estado de S.Paulo
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