Olá, é um prazer ter sua companhia !

"Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem."

( Carlos Drummond de Andrade )


segunda-feira, 30 de março de 2009

Eficiência sem "D" - Crônica



Na história "Almir, um garoto especial" da revista Mônica 27
já retratamos um pouco do cotidiano do deficiente.

Cheguei à fábrica, na área industrial de Curitiba, pelo meio de uma tarde bonita de sol.

O Plínio, proprietário da indústria, veio me receber com sorrisos, abraços e a simpatia típica que o acompanha até hoje em todos os momentos.

Estava ansioso para me mostrar sua linha de produção, de onde saíam diversos artigos da "Turma da Mônica". Tudo em plástico.

Depois do clássico cafezinho, iniciei o "tour" pela indústria. Impecável, limpinha, pintadinha de novo, com tudo no lugar certo e funcionários uniformizados, realizando suas tarefas com aparente satisfação.

Mas comecei a notar alguma coisa diferente a partir de nossa passagem por um setor da fábrica onde o ruído das máquinas era quase que ensurdecedor. E apesar disso, todos os operários trabalhavam sem proteção nos ouvidos e não manifestavam insatisfação.

Foi quando Plínio, meio aos berros, me informou que todos, ali, eram surdos. Ele os contratava justamente porque aquele tipo de trabalho exigia máquinas muito barulhentas.

No setor seguinte havia dezenas de operários montando pequenas peças, encaixando-as, num trabalho mecânico, monótono, repetitivo. Plínio me informou que eram operários com um tipo de deficiência que impelia a repetir gestos com extremo cuidado e precisão. Mais adiante, outros deficientes físicos trabalhavam em máquinas que podiam ser operadas com uma só mão. Nas bancadas seguintes, operários sentados manipulavam e mostravam novos produtos ao lado das cadeiras de rodas que usariam, depois, para irem embora.

A telefonista também estava entre os funcionários com deficiência física.

Trabalhava sem as pernas mecânicas, encostadas a um canto até o sinal da saída. Mas uma sua colega terminara seu turno. E já se encaminhava para a porta. Plínio me chamou a atenção para que eu observasse sua passagem pelo pátio, pelo jardim, até que ela chegasse ao portão da fábrica onde permaneceu à espera do ônibus da empresa. Era cega. Mas dominava totalmente o conhecimento espacial do lugar. Nem usava bengala branca.

Mas não havia apenas ela, de deficiente visual. Outros operários, treinados para conferir qualidade e resistência em alguns dos produtos da firma, compunham o grupo de cegos. E como a vida não é só de trabalho, nos intervalos para o almoço ou café, esses operários vinham até uma quadra especial montada pelo Plínio onde praticavam um incrível futebol. Para tanto, a quadra era marcada com linhas em alto relevo para indicar limites da área de jogo, do meio do campo, da pequena área, proximidade do gol...

E a bola era recheada de guizos.

De volta ao meio da fábrica, outra novidade naquele tempo: uma "gaiola" de vidro, com exaustor, pequena, pouco confortável, para os fumantes. Com vistas à segurança e ao bem-estar dos não fumantes.

E havia mais vagas a serem preenchidas por deficientes na indústria do Plínio. Mas boa parte dos candidatos não tinham condições de sair às ruas em segurança para se dirigir ao trabalho. Ruas com calçamento inadequado, calçadas sem rebaixamento para cadeiras de rodas, desrespeito à faixa de pedestres, impediam o acesso.

Essa visita que eu fiz à fábrica de Curitiba já tem bom tempo.

Depois disso, em diversas cidades do país, já há providências para que os deficientes físicos gozem do seu direito de trabalhar e exercer sua cidadania. Felizmente.

Mas ainda há um longo e difícil caminho pela frente. Infelizmente.


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